quinta-feira, 12 de julho de 2012

Educação Integral e Currículo

CURRICULO, cultura e conhecimento escolar - O que seria importante considerar na perspectiva da Educação Integral?
Ao pensar na construção do currículo para a Educação Integral em escolas de tempo integral precisamos primeiro refletir sobre o que entendemos por educação integral.
De acordo com o que orientam as políticas públicas do MEC seria "a formação do indivíduo o mais completa possível". Esta definição é muito ampla e muito vaga ao mesmo tempo.
Para trabalhar a formação do ser humano em sua totalidade, precisamos contemplar a diversidade de culturas vivenciadas em nossa sociedade, assim como as diversas áreas de conhecimento e habilidades que podem emergir dessas áreas.
Quem conseguirá fazer esse trabalho e como isso acontecerá?
O que percebemos nas escolas que trabalhamos é que os professores estão se sentindo cada vez menos preparados para trabalhar. A dificuldade em lidar com problemas de falta de interesse, de limites,  de apoio familiar, de assistência social e psicológica aos estudantes, tem feito muitos professores refletir muito sobre sua profissão.
Podemos contruir um currículo lindo, que tenha como base a participação da criança  e de seus familiares nas decisões escolares, valorizando o conhecimento da comunidade escolar, buscando trazer para a escola diversos saberes da sociedade em geral, diversificando e ampliando as oportunidades de conhecimento através de aulas criativas, como aula passeio, visita a museus, teatro, áreas comerciais, enfim, podemos ter a melhor das intenções ao estudar e escrever o currículo para a educação integral. Porém o mais difícil é trabalhar, ou estar preparado para trabalhar as relações inter pessoais, os problemas de baixa autoestima, o sentimento de abandono, a desproteção, a carência afetiva, a agressividade, entre outros problemas que enfrentamos cotidianamente em nossas escolas.
Trabalhar o multuculturalismo é muito interessante; a diversidade de saberes traz em si muita aprendizagem para todos. Porém, o professor se vê despreparado para lidar com a complexidade de vivências que o estudante traz para sala de aula.


Ao assistir o filme "Escritores da liberdade" pude refletir sobre várias situações que vivenciamos na escola em que trabalho, que iniciou com a educação integral neste ano, ampliando a jornada escolar de 4 para 9 horas diárias, com as crianças do 1º ao 3º ano do ensino fundamental.
" Que responsabilidade estamos assumindo!"


Nossas crianças vem de famílias humildes, onde os responsáveis possuem pouco conhecimento escolar, ou seja, muitos pais são analfabetos, ou se dizem incapazes de auxiliar os filhos por falta de conhecimento, de paciência ou de tempo, por necessitar estar fora de casa por muitas horas para trabalhar. Muitas crianças convivem num ambiente familiar agressivo, alguns sofrem maus tratos. A escola sente falta de apoio para lidar com tais problemas, apesar de solicitar ao conselho tutelar, serviço de assistência social e de saúde do município, além da própria secretaria de educação.


Começamos o ano com a Formação dos professores que foram contratados para trabalhar com a educação integral. Eu, enquanto Orientadora educacional e participante da coordenação pedagógica da escola, senti-me angustiada com a construção do currículo destas turmas. Perguntávamos no grupo de estudo: Como será o dia destas crianças na escola? Que espaços serão destinados a elas? Como será para o professor regente ficar o dia todo responsável por este grupo de crianças? Como e o que incluir na rotina destas crianças?...
O que mais foi debatido na escola e nas reuniões da secretaria da educação do município foi a questão da alimentação destas crianças. Quantas refeições receberão? Em quais horários?  Temos um espaço propício para que estas crianças possam fazer suas refeições de maneira digna? Como fica a questão nutricional? Como será trabalhada a higiene destas crianças antes e depois das refeições? ...


Outra questão muito debatida entre os profissionais que trabalham com as crianças da educação integral foi o horário do almoço. O intervalo entre os dois turnos escolares, na qual o professor regente não está com sua turma. As crianças irão fazer o que depois do almoço? Elas precisam se descontrair, brincar, descansar...Irão brincar livres pela escola? Em que espaço? Elas precisam descansar do que, para que? Onde e como será oferecido este momento de descanso?
Neste momento aconteciam muitos atritos entre os alunos por estarem mais livres, com monitores que apenas os observavam ou, pouco interagiam com eles.


As professoras queixavam-se que ao retornar o trabalho com a turma, tinham que resolver os conflitos, sentiam dificuldade de desenvolver as atividades propostas por problemas de desinteresse e agitação das crianças.


Além das disciplinas tradicionais que compõe o currículo dos anos iniciais foram incluídas aulas de filosofia, inglês, música, artes visuais, xadrez e dança em horários intercalados durante o dia. Os profissionais que trabalham nestas áreas são todos formados em nível superior de acordo com a área que atuam e participam dos encontros de planejamento e formação oferecidos pela escola e pela secretaria da educação nas quartas-feiras a tarde.
Agora surge um grande desafio: como trabalhar a interdisciplinaridade com tantas áreas de conhecimento? Cada turma tem em média 8 professores. Buscamos temas que estão relacionados ao processo de alfabetização, que despertam o interesse das crianças, que respeitam suas vivências e valorizem suas conquistas.


Preocupo-me muito com a necessidade e o direito da criança de "ser criança", de brincar, de ter momentos de fantasia, de criar, de construir seus próprios brinquedos e brincadeiras, de ganhar atenção e carinho,  de ser cuidada, de sentir-se protegida e amparada. Deparo-me com situações de desconforto quando vejo uma criança de 6 ou 7 anos sendo questionada porque brincou na sala ao invés de fazer os exercícios propostos pela professora, "porque desta forma não vai aprender a ler e escrever"! (fala esta dos profissionais e dos pais) Sinto-me angustiada quando vejo os professores preocupados porque não conseguem dar aula, em função da falta de limites dos alunos, do desrespeito, do desinteresse. Assim como, fico ansiosa pela presença dos pais na escola para fazermos um trabalho em parceria, buscando atender as necessidades de cada criança em particular e não tenho retorno, ou seja, sinto a ausência desta parceria. 


Como pensar num currículo para educação integral sem pensar nestas situações vivenciadas cotidianamente. Estamos na metade do ano. Professores e alunos estão cansados. Alguns até esgotados. A cada dia que passa percebo que as crianças gostam da escola, de estar na escola, porém demonstram resistência ao processo de ensino-aprendizagem, às atividades pedagógicas. Percebo que os professores tem boa vontade, interesse em desenvolver um bom trabalho, mas sentem-se despreparados para tanta exigência, tanta responsabilidade, pois agora, os professores regentes precisam também se preocupar se a criança está se alimentando direito, está fazendo a higiene adequadamente, relaciona-se bem com os colegas, está feliz no ambiente escolar, está desenvolvendo suas habilidades. E quando encontramos respostas negativas, o que fazer? A quem recorrer?


Quando afirmamos que a escola é um espaço de humanização, de relações grupais, de troca de experiências, de multiculturalismo, precisamos lembrar que isto acontece com todos os seus agentes. Os profissionais que ali atuam estão em constante processo de adaptação e aprendizagem, visto que muitos a cada ano trocam de escola e experienciam realidades diversas.


Quando afirmamos que é importante respeitar o tempo de aprendizagem, isso serve para todos que estão na escola. Precisamos aprender a nos conhecer, conhecer quem está ao nosso redor, conhecer o espaço em que atuamos e as possibilidades de usufruir e atuar neste espaço.


Deparei-me com uma questão para refletir apresentada em sala, na pós graduação, na disciplina de currículo que penso ser muito instigante: Podemos trabalhar na escola, com um conhecimento problematizador e crítico?
Acredito que fazemos isso continuamente. Quando não fazemos, acredito que seja porque nos faltou "bagagem cultural" para trabalhar determinado conhecimento.


Exemplo: Como trabalhar questões de agressividade física e verbal entre crianças de 6 a 10 anos, que vivenciam situações desse tipo em seus lares? Como trabalhar questões de sexualidade com esta faixa etária, sabendo que estas crianças presenciam cenas impróprias para sua idade?  Como trabalhar questões de saúde e higiene com crianças que não tem condições mínimas de saneamento básico, nem banheiro em casa?


Sonhamos com um CURRICULO INOVADOR, com uma EDUCAÇÃO INTEGRAL real, de todos os cidadãos brasileiros, com PROFISSIONAIS valorizados e respeitados.

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